Simplesmente brilhante este texto de José Vitor Malheiros publicado no jornal Público de 10 de Fevereiro.
A somar-se ao de Mário Crespo, mostra que mais do que medo, existe na socieadade portuguesa coragem para chamar os bois pelos nomes.
Agradeço ao autor ter facultado o texto para eu colar aqui na parede da minha Tasca.
Passe por cá que eu arranjo-lhe uma mesinha ali á frente ao lado do guitarrista.
10.02.2009, José Vítor Malheiros
Por muito pobre que seja, cada português vai poder orgulhar-se de ter ajudado a pagar alguns carros de luxo
Os responsáveis da crise financeira e económica que está a abalar o mundo, que fez desaparecer o crédito, que fez eclipsar-se o investimento e o consumo privados, que está a provocar a falência de bancos e de outras empresas em cascata, que está a lançar milhões de trabalhadores no desemprego, que está a fazer com que milhões de famílias percam as suas casas, que vai fazer aumentar de forma astronómica os encargos sociais dos Estados, que pôs em causa a liderança económica dos EUA, que faz tremer a Europa, que abala a China, os responsáveis de tudo isto foram finalmente encontrados. Os responsáveis somos nós.
Se pensava que os problemas se deviam à crise do subprime, à ganância desmedida de (muitos) banqueiros, investidores, especuladores e à desonestidade de outros tantos (muitos) banqueiros, investidores, gestores, consultores, agências de rating, entidades reguladoras e fiscais diversos, esqueça. A culpa da crise é sua (e, admito, também minha).A hipótese começou por ser avançada timidamente mas as provas são esmagadoras e são repetidas pelos especialistas em voz cada vez mais alta. Não podemos continuar a negar. E não devemos ser cépticos pelo facto de serem analistas e propagandistas da direita que o dizem. A direita tem maior familiaridade com as coisas do dinheiro (e com o dinheiro ele próprio) e sabe do que fala. A culpa é mesmo nossa. Sua e minha.Eles descobriram o que é que você e eu andámos a fazer nos últimos anos. Descobriram que andámos a viver acima das nossas possibilidades e que andámos a comprar... a crédito.
A comprar casas com empréstimos e coisas assim. E às vezes até - não vale a pena negar - a usar os nossos cartões de crédito.A prova que eles descobriram é que o próprio Obama, no discurso de posse, pôs o dedo na ferida e explicou que a crise se devia "ao fracasso colectivo" dos americanos que não souberam fazer as escolhas difíceis que se impunham. Obama não falou de Portugal, mas se tivesse falado teria dito que aqui (e no resto do mundo) a razão é semelhante. A culpa é nossa.Paul Krugman - Nobel de Economia e colunista do New York Times - não concordou com Obama quanto à culpa colectiva e diz que, pelo contrário, "os americanos" não faziam a mínima ideia das falcatruas dos mercados financeiros e que as pessoas que sabiam juraram aos quatro ventos que a desregulação financeira era uma coisa boa - mas Krugman, aqui entre nós, talvez seja c-o-m-u-n-i-s-t-a e talvez não seja boa ideia acreditar nele. As suas críticas ao sistema financeiro fazem parte de uma conspiração internacional para impor a ditadura do proletariado.Agora que os analistas têm as provas na mão temos de admitir que, se os trabalhadores da Bordalo Pinheiro, da Tyco Electronics, da Peugeot-Citroën, da Autoeuropa, da Controlinveste, da Philips, da Sonae Indústria, da Delphi e de tantas outras não tivessem vivido acima das suas possibilidades e não tivessem contraído empréstimos para comprar casas para viver, o mundo estaria melhor e eles teriam podido manter os empregos. Já sabíamos que, quando os bancos ganham dinheiro, ele vai para os bolsos dos gestores e accionistas, mas que, quando perdem dinheiro (por má gestão, desvio de fundos, fuga ao fisco), esse dinheiro se vai buscar aos bolsos dos contribuintes. Mas ficámos agora a saber que não é só o dinheiro que é preciso pagar. É preciso arcar com a culpa.Resta-nos uma consolação. Por muito pobre que seja, cada português vai poder orgulhar-se de ter ajudado a pagar alguns carros de luxo, férias em ilhas exóticas e amantes espampanantes. É verdade que não usufruímos de nada disso, mas sempre consola. E estava dentro das nossas possibilidades. Não é tão mal visto como ter contraído um empréstimo para comprar casa, acima das nossas possibilidades.
Jornalista (jvm@publico.pt)
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